10.9.09

quanto baste (2 de 5)

2.os hieróglifos do embaraço.


Pedras de roseta nas calçadas, códigos de hammurabi nos tribunais,
emergem novas ordens nos concílios, novos fraques nos manda-chuvas,
chegar ao amanhã não é comum sinónimo de respeito pelo dia de ontem:
são subterfúgios de espingardas lascadas como cadeirões de vime,
uma recente hermenêutica fugitiva, leis perdidas nos escarpados.
As pobres civilizações que apenas na arte ganham vida
tingem de rubicundos ferimentos os álbuns dos nossos pais,
imprimem estigmas nas cartilhas dos verdes benjamins
e fazem-nos crer como cegos que ainda aguardam os seus olhos
que ao longe ainda vem la Liberté guidant le peuple.

Por muitas Guernicas presas debaixo das línguas negras
ardores fulminantes ou balas embandeirando em arco,
quantas cartas matreiras irão perecer à mortificação das gramáticas?
quantas significados se tornarão ambíguos e risíveis?
Escrever o erro é assentar arraiais na exactidão humilde,
colocar livros de depuração nas estantes das casas,
é exumar aflições e incinerá-las a bom gosto,
é dar substância ao vácuo, torná-lo fértil caruma.
Porquanto há uma saciedade de plátanos a mitigar
aproveitemos o fastio dos nossos rostos na água.

Sabemos de tolerância como da ínfima distância entre os átomos,
como da precoce fermentação do sangue que há-de coagular.
De todas as plantas cortámos os grossos caules de seiva,
elaborados em alquimistas retrocedemos à irracionalidade.
Tanto o fizemos que acabámos num vislumbre de jazigos
lamentando a degradação de um humano desconhecido
sem estátua simbólica para calidamente nos deixar embevecidos.
O estado do povo é assim um declínio da jovialidade dos pomares
e como familiares ausentes visitamos as lápides e o sadios epitáfios:
outrora aqui, nesta cuba de fraternidade, existiu um povo genial.

2 comentários:

Isabel disse...

bom dia talento!!!!!!


. abraço.




(piano)

Graça Pires disse...

Uma poesia torrencial e bela que se alonga até ao coração de quem lê.
Um beijo.