26.11.07

Queda

Caminho
Perna esquerda, perna direita
O arrastar do corpo
Sozinho
Tropeço, escorrego
A passo
A correr
A saltar
Cansado
Tropeço, escorrego
Insinuo-me, expando-me, quente
Arrependo-me, contraio-me, frio
Oriento
Perco
Persigo
Tento alcançar
Tropeço, escorrego
Caio.


F.S.

17.11.07

Manuscrito do arrependimento


A porta está encostada, veja-se o espaço ali a chamar-nos, entramos sorrateiramente, olhamos a sala escura, janelas fechadas, atmosfera pesada, o quadro preto esbranquiçado ao de leve pelo giz a indicar-nos que estamos num templo de estudo, sagrado da sabedoria que muitos procuram e nunca vão ter, não se vislumbra vivalma, falsa conclusão, bastará aos nossos olhos adaptarem-se a esta claridade ou à falta dela e veremos com estes dois olhos que a terra há-de comer que ao centro se encontra um rapaz, vamos supor que sim pois esta luz pode atraiçoar-nos, aquelas feições de miúdo enternecido podem esconder um velho de espírito, não são necessárias estatísticas que o confirmem. Escreve ele num caderno de capa preta, como se não houvesse amanhã, a mão direita riscando incessantemente a folha ebúrnea, e muito já ele escreveu, imensas folhas salpicadas de azul escuro, uma tinta que carrega o peso da vida, cheia de intencionalidade, de devaneios, os devaneios são a objectividade do que nos apetece, do que nos assola, aquele sujeito sentado na cadeira do centro pensa, sente, arrepia-se, comove-se, e isto é o que ele grava no caderno, não lhe peçam para inventar sentimentos, pedir-lhe isso é pedir que minta, que renuncie à sua própria vida. Aproveitamos para espreitar por cima dos seus ombros, saber que coisa tão afincada ele cria, no topo da folha, em realce, Manuscrito do arrependimento, e daí parte a introdução, desenvolvimento e conclusão, a lengalenga que a professora da primária lhe meteu na cabeça, dá curiosidade em questionar o que tanto o apoquenta, responderia ele rudemente:
- Tudo
Mas que tudo, de que se arrepende ele? Um rapaz que tão jovem parece, o que lhe faltará?
- Tudo
Uma tomada de consciência rebenta com a bolha da criatividade que o envolve, soltam-se lágrimas da suas vistas, escorrem suavemente como um fio homogéneo e incolor, purificando a tumultação, a este sujeito não foi oferecido para assinar o tratado das paixões das almas, ainda está para vir a sociedade que agrade a todos, que pense nisso quem tem tempo para utopias, para sonhos desmedidos e hiperbólicos, porém que seremos nós sem os sonhos a não ser cadáveres conscientes, gente viva com coração de morto? Pelo menos quem se arrepende vive. Mais uma vista de olhos no caderno preto do nosso amigo:
- As minhas desculpas aos meus sonhos imperfeitos, As minhas desculpas a todos os outros que vou magoar
Levanta-se, abre as janelas do mundo, ofuscados estamos agora com aquela luz cintilante da manhã, sempre dá para certificarmo-nos da juventude daquela cara de menino, como é possível guardar tantos arrependimentos?
( não era nada disto que queria escrever num sábado à tarde)
Senta-se mais uma vez, e mais um vez, na folha de papel:
- Como estou arrependido mãe, quero voltar para casa.
Assalta-o então a lucidez daqueles que procuram e acham, arrasta a cadeira num rompante, tanto que se estatela no frio chão, enquanto se dirige ao velho quadro, trespassa o material verde, gemendo este num estonteante e estridente som que se propaga, deixando-nos ver, tatuado em linhas brancas de desilusão e irritação, como uma fogueira na noite:
- As minhas desculpas a mim mesmo.
F.S.

6.11.07

A melodia dos esquissos #1

Porque, por vezes, os sons e as imagens são os melhores esquissos,



Sigur Rós - Untitled 1 (Vaka)

F.S.

3.11.07

Crescendo


Início,

O vento.
O vento sopra.
O vento sopra frio.
O vento sopra frio e beija-nos a face.
O vento sopra frio e beija-nos a face enquanto nós na sé.
O vento sopra frio e beija-nos a face enquanto nós na sé abraçados.
O vento sopra frio e beija-nos a face enquanto nós na sé abraçados e nada mais existe.

Epílogo.

(devaneios)


F.S.