27.6.09

Poesia anatómica

Se tivesses a ideia
A mais pequena ideia
De como tudo no teu corpo
me lembra um poema.
Quero estudar
A nomenclatura dos teus sorrisos
As inserções dos teus sonhos
Os movimentos dos teus olhos
O comprimento do teu andar.


In
Um quase atlas da anatomia sentimental



fs

15.6.09

Texto indefinido #5


Das peripécias do tempo

Das coisas que mais me arrepiam, o tempo é certamente uma delas. Tivemos sempre uma relação tempestuosa, altos e baixos, aliás, possuo uma relação conturbada com quase tudo o que me rodeia (resultado do meu puro relativismo que de tão relativo dispersa-me, sou muitos fechado num). Umas vezes rogando que acelerasse, outras que abrandasse. Nunca obedece ao que lhe peço, é óbvio. Intriga-me a razão por que o senhor tempo acelera na presença de felicidade e abranda nos sentimentos depressivos. Qual o motivo para estas contracções e distensões temporais? De uma perspectiva biológica, a minha predilecta e mais válida, constato que a nossa mente (edificada na razão) é a causa. Ela é sensível ao tempo, tal como um casal de enamorados seduzindo-se mutuamente, sem, contudo, se unir de facto. Isto leva-me a crer que a razão, na busca de auto-conhecimento e auto-preservação, abranda as situações extenuantes uma vez que elas é que nos dão maturidade e um conhecimento generalizado das situações, ao invés das situações de regozijo que raras vezes cimentam, de forma efectiva, o pavimento da nossa mente, dando-lhe parcos alicerces. Daqui se obtém que, qualquer homem à procura de um mísero entendimento empírico das coisas, terá de sofrer. A felicidade faz-nos pular, mas não avançar. Poderá parecer frio e cru dizê-lo, porém só posso acreditar, confiando na plenitude da razão, que não existe homem algum que se considere feliz e que possa absorver um conhecimento profundo do real.
Não pode haver homem que pule e avance.
O que fazer? Pular? Avançar?
Não mo perguntem senão terei de retorquir: talvez ficar.
E fico-me.


O Senhor Indefinido

fs

7.6.09

Pedaços

dos poemas que já foram
e que nunca chegaram a sê-lo



Sou feito de pedaços
Pedaços cheios de nada, vazios de tudo
Pedaços que se evaporam
Pedaços que se condensam
Pedaços que se tardam em unir,
mas que se apressam em dividir
Pedaços simples, outras vezes complexos,
com conteúdos completamente incompletos

Pedaços que não se assemelham a nada
mas que têm a forma de tudo
E que da emoção mais pobre
expressam o sentimento mais puro
Pedaços dos mais pequenos,
do tamanho do Universo.
Pedaços que se clamam em prosa
ou no mais simples verso

Pedaços cheios da maior ordem
que o caos pode dar
Pedaços sem tempo
Pedaços sem lugar


Sinto-me, estranhamente, em pedaços…


publicado originalmente aqui, em Fevereiro de 2007

fs