24.12.07

Natal de olhos fechados a meio


Nem dou conta da sua chegada, fins de Outubro e começa a manifestar-se nas montras das lojas, monumentos iluminados por um caleidoscópio de cores, vermelhos a piscarem enquanto os verdes piscam e os azuis piscam e os amarelos piscam porque os brancos também piscam, piscando meus olhos intensamente, repetindo-se um ciclo infinito de piscadelas inebriantes no compasso das melodias com critério escolhidas, nota-se pelas filas de pessoas embevecidas por tal aparato multifacetado, tanto ficam fascinadas que depositam o dinheiro nessas caixas registadoras que tanto fará felizes as pessoas engravatadas que vivem dele como do pão nosso de cada dia, ainda bem, para consolo das nossas almas, que nascemos tão solidários. Não dou conta porque o tempo deixou de ser meu, eu sou dele, uma folha branca no qual vai desenhando figuras cada vez menos delineadas, espessas rectas paralelas com finas parábolas, hipérboles sufocando triângulos que acabam por se desmoronar e a folha acaba por ficar rasa, as rédeas que outrora as minhas mãos continham e asseguravam deixaram de manobrar todo este bicho, choro pois sou feliz, sorrio pois sou um traste, meu cérebro vive na ilusão do bem estar, não me atrevo a abrir muito as pupilas dos olhos, acabaria com o circo em que habita, no natal ando de olhos meio fechados, enevoando-os, minha avó, enquanto faz os doces da época com a delicadeza de quase um século:
- Não gostas do Natal?
Como me apetece responder sim vindo do fundo do que temos cá dentro, verdade é que adoro, mas é um sonho avó, perdeu-se tudo, se é que alguma vez ganhámos, fecho os olhos a meio para não chocar o cérebro, as luzes servem de analgésico temporário, sou o meu próprio messias e nem de mim consigo tratar quanto mais de milhões de corações, o fatalismo atinge-me e eu
- Serei tolo mãe?
A resposta pouco me interessa, tolo nasci e tolo morrerei porque tento ser feliz e feliz não se alcança, é-se, se chegarei um dia a ver brilhar a estrela que perdura no topo da árvore que, com afinco a família prepara, é uma dúvida para mim, apenas me habituarei ao delicado som de cada
- Feliz Natal,
Combinado com os desejos de tudo de bom, para o ano aqui estaremos mais uma vez, juntos entoaremos, com graça divina
- Feliz Natal,
E contudo, também a minha boca moldando um
- Feliz Natal,
Porque me resigno e perco a clarividência, porque as contradições definem todo o meu ser, sou um presente sem surpresa pois jamais serei embrulhado, ficarei como as luzes a piscarem
- Vermelho, Azul, Verde, Azul, Amarelo, Branco, Verde, Vermelho,
Fechando eu a custo e a medo os olhos, iludindo a ilusão, depositarei as poucas notas que tenho naquelas caixas registadoras, não conseguirei dormir no frio da noite, todos os dias do ano, e no dia vinte e cinco de Dezembro as crianças a escalarem o pinheiro de Natal, elas nem sabem nem sonham e no entanto esbugalham os olhos enfiando a estrela brilhante no lugar a ela reservado.


F.S.

2 comentários:

Anónimo disse...

É verdade que a plena felicidade não se alcança mas podemos tentar procurar o que mais dela se aproxima...e tu és feliz procurando o que mais a ti te faz feliz...se precisares de ajuda eu estou aqui...

gmdt*** Carina

freespirit disse...

É-se feliz.

Abraço ;)