5.9.07

Uma porta que se abre


O som que alastra pelas paredes é o eco supremo da liberdade, o grito de debandada para as almas desamparadas que se estendem nas mesas, por cima dos livros. Os alunos, se é que este termo aqui pode ser utilizado, saem apressadamente da sala, visivelmente aliviados, animados até em demasia, para quem há pouco já era vencido pelo sono. O professor aproveita para ajeitar a gravata vermelha do seu fato e limpar com desânimo o fio de suor na testa, nem teve tempo sequer para acabar de explicar o Cogito, ergo sum de Descartes. Preparadas para avançar estão as duas meninas das dúvidas, que tão habitualmente utilizam o fim das aulas para expor as suas inúteis e maliciosas perguntas, mas a este último espectáculo eu não assisto, após passar a ombreira da porta, disposto a enfrentar a escuridão.
O corredor que se alonga à minha frente mostra-me como sozinho eu estou, rodeado pelo frio, atacado pela angústia e incerteza. Aqui de nada valem os nossos sentidos ou os pontos cardeais para nos guiarmos; nesta penumbra somos guiados para lado nenhum, nem sombra temos, não existimos, somos parte negra do escuro. Corredores como este é o que há mais por aí. Pudesse eu ver o interior das pessoas com estes ingénuos olhos que não veria qualquer vontade, e sem vontade é sabido que não se pode sonhar, e sem sonhar ninguém pode viver. Dizem-me que estes receios, estes pensamentos são o resultado da minha assumida posição pessimista e normalmente perguntam-me como consigo ser feliz sendo pessimista, e eu somente questiono-os: como conseguem viver com tanto desgosto sendo optimistas? E é numa última tentativa que me encho de esperança, e num desespero final, fecho os olhos, dando-lhes a ver a minha própria escuridão.
Porém, quem desespera sempre alcança. No meu braço direito pousa-se uma mão suave, que me desperta. Enchem-se os meus pulmões de ar puro, e agora sim, posso abrir os olhos. Abrem-se intermitentemente, quase a custo, a luz branca é tanta que ofusca. Onde outrora estivera o corredor, repousa aquele familiar banco de jardim, com as árvores por detrás tão grandes que dão a aparência de raspar no céu. O sol trespassa-me a face, aquecendo e aglutinando todo o meu interior. À minha frente estão eles, mirando-me. Se são três, quatro, cinco, não me interessa, desde que aqui estejam a completar-me, a guiar-me, a ser farol e porto de abrigo. Há quem lhes chame amigos, para mim são, pura e simplesmente, eles. Estão comigo desde o meu génesis e estarão até ao apocalipse.
E é sorrindo para mim, em tons de desafio, que fazem abrir uma porta no meio do ar. Acenam-me convidativamente e entram nela, deixando-a aberta. Cresce novamente a vontade dentro do meu corpo, já me é permitido sonhar.
- Esperem por mim!

(Para os meus amigos, incansáveis heróis da paciência, que todos os dias me abrem uma nova porta)


F.S.

3 comentários:

freespirit disse...

O amigo silencioso, ou o que fala apenas quando queremos, é o amigo fictício que esperamos.

Muitas vezes nós próprios, na companhia da nossa reflexão.

abraço

Anónimo disse...

Sim, o que seríamos nós sem os amigos fictícios, tão reais que se assemelham à nossa mente.

obrigado pelo comentário :D

Abraço
(F.S.)

joana simões disse...

concordo convosco! mas há sempre algo a ansiar do que um simples amigo ficticio! temos sempre a nossa mais esplendorosa esperança de que somos um ser que se envolve com os amigos, que sempre os conseguimos ver e ouvir e até mesmo cheirar. contudo, por vezes, não é necessário nada disso, basta mesmo saber que o temos e pensar nele é sinonimo de calma e tranquilidade e oposto de desespero e pânico!
beijinho*