Para o Tio Tozé,
meu tio,
meu amigo.
É no deslumbramento diário da torre dos Clérigos que se levantam vozes em mim que embora não sendo minhas absorvem-me, as cores escuras da reitoria como um caleidoscópio de desejos, e aquela fonte dos leões a lembrar-me o marulhar de intenções tão nobres como a nitidez de um futuro a que não pude fugir, por pressão do meu bem-estar, de toda a projecção da minha pessoa nas outras, o contentamento mórbido de ver a reacção dos indivíduos às linhas tortas em que nenhum dedo de Deus escreve direito e uma paixão tão infinita à anatomia da nossa espécie, interpretar o desenrolar de milhares de anos de evolução que nos transformaram nestes bichos imperfeitamente perfeitos aos olhos de todos. E é enquanto passo por este espectáculo da natureza citadina que penso em ti, tio, nas palavras sentidas que deixei pendentes nas cordas vocais e que agora me entristecem por não terem destinatário fisíco, o que eu dava para te ver na minha frente a inclinar o ouvido bom, pois a audição já te andava a trair no outro, e te diria em sincronização de orquestra sinfónica em surdina:
- Palavra de honra que gosto de ti, tio.
O sorriso que me lançarias bastaria, as palavras pesadas de amor entre tio-sobrinho nunca foram devidamente pronunciadas entre homens valentes como nós. Esquecemos, entretanto, que o corpo nos provoca partidas e quando o teu coração, uma coisa pouco maior que um simples punho fechado vê lá tu, te silenciou naquele início soturno da manhã do dia vinte e oito de Dezembro às 6h18
(nunca me vou esquecer, nunca)
fechou-se uma porta em mim, uma agonia de laços familiares que eu julgava impenetráveis e que se abalaram sem, no entanto, se esfumarem. Vivem em mim os abraços, os gestos, essas memórias tão espessas com uma impressão digital que para sempre cobrirá a minha pele. Às vezes, em casa, em frente da televisão a espreitar o futebol agora sem sabor, penso:
- Ai o nosso Benfica, tio.
Para logo se elevarem as vozes que embora não sendo minhas absorvem-me no teu tom de voz inconfundível:
- Ai o nosso Benfica, Fábio.
E subo diariamente até à reitoria enquanto me deslumbro ao chegar ao lado do hospital de santo António, entrando na escola que me fará um dia vestir com dignidade a bata branca que tanto orgulho te daria. Recordo o último sorriso que me largaste. Penso em ti e sorrio da mesma maneira enquanto passas as mãos pelos meus ombros, ajeitando-me a bata, numa alegria entretida que não necessita de sons.
- Palavra de honra que gosto de ti, tio.
E gosto muito.
Tio.
É no deslumbramento diário da torre dos Clérigos que se levantam vozes em mim que embora não sendo minhas absorvem-me, as cores escuras da reitoria como um caleidoscópio de desejos, e aquela fonte dos leões a lembrar-me o marulhar de intenções tão nobres como a nitidez de um futuro a que não pude fugir, por pressão do meu bem-estar, de toda a projecção da minha pessoa nas outras, o contentamento mórbido de ver a reacção dos indivíduos às linhas tortas em que nenhum dedo de Deus escreve direito e uma paixão tão infinita à anatomia da nossa espécie, interpretar o desenrolar de milhares de anos de evolução que nos transformaram nestes bichos imperfeitamente perfeitos aos olhos de todos. E é enquanto passo por este espectáculo da natureza citadina que penso em ti, tio, nas palavras sentidas que deixei pendentes nas cordas vocais e que agora me entristecem por não terem destinatário fisíco, o que eu dava para te ver na minha frente a inclinar o ouvido bom, pois a audição já te andava a trair no outro, e te diria em sincronização de orquestra sinfónica em surdina:
- Palavra de honra que gosto de ti, tio.
O sorriso que me lançarias bastaria, as palavras pesadas de amor entre tio-sobrinho nunca foram devidamente pronunciadas entre homens valentes como nós. Esquecemos, entretanto, que o corpo nos provoca partidas e quando o teu coração, uma coisa pouco maior que um simples punho fechado vê lá tu, te silenciou naquele início soturno da manhã do dia vinte e oito de Dezembro às 6h18
(nunca me vou esquecer, nunca)
fechou-se uma porta em mim, uma agonia de laços familiares que eu julgava impenetráveis e que se abalaram sem, no entanto, se esfumarem. Vivem em mim os abraços, os gestos, essas memórias tão espessas com uma impressão digital que para sempre cobrirá a minha pele. Às vezes, em casa, em frente da televisão a espreitar o futebol agora sem sabor, penso:
- Ai o nosso Benfica, tio.
Para logo se elevarem as vozes que embora não sendo minhas absorvem-me no teu tom de voz inconfundível:
- Ai o nosso Benfica, Fábio.
E subo diariamente até à reitoria enquanto me deslumbro ao chegar ao lado do hospital de santo António, entrando na escola que me fará um dia vestir com dignidade a bata branca que tanto orgulho te daria. Recordo o último sorriso que me largaste. Penso em ti e sorrio da mesma maneira enquanto passas as mãos pelos meus ombros, ajeitando-me a bata, numa alegria entretida que não necessita de sons.
- Palavra de honra que gosto de ti, tio.
E gosto muito.
Tio.
fs
9 comentários:
A memória das palavras nunca ditas.
E o que dizer de quem já não está? Amá-lo em recordações.
Abraço*
Obrigado primo por este lindo texto dedicado ao meu pai...nao fiques triste por ja nao o teres fisicamente para te ouvir...nós temos a esperança que ele nos ouve mamesma e uma coisa é certa..ele neste momento onde quer que esteja(perto de nós...de certeza) esta muito mas muito orgulhoso de ti..
AMO-TE PARA SEMPRE PAI
Es um sobrinho cheio de qualidades!
Generoso e sensivel. Amas profundamente e só posso que ademirar-te. O nosso Tozé estará sempre presente em nós,mesmo não estando mais presente fisicamente, não sera nunca esqueçido.Por isso sobrinho continua a ser a pessoa que tens sido até hoje e ele, la onde estiver estará muito orgulhoso de ti...e nós igualmente.
palavra de honra que venho sempre aqui.
palavra de honra que o leio lendo.
palavra.
palavra boa para todos os anos.
beijo.
Um belísso texto. Palavra de honra...
Um ano de 2009 muito BOM.
Um abraço.
São também as recordações que nos ensinam e nos fazem homens melhores.
Meu caro amigo, porque tenho a sensação de ser merecedor, muita coisa lhe podia desejar para o Novo Ano que chega, mas faço só dois votos: que continue a deliciar-nos com a sua escrita e, principalmente, que seja feliz.
Um grande abraço.
Lindo! Palavra simples composta por apenas 5 letrinhas (tal como o teu nome :p) capaz de descrever cada texto que tu publicas. Adoro mesmo espreitar, de vez em quando, aquilo que tu vais escrevendo, porque vale mesmo a pena. Continua assim e pensa, há sempre alguém que vai estar muito orgulhoso de ti, não só porque te vai poder ver de bata branca mas, principalmente, pela pessoa maravilhosa em que te tornaste.
Beijinho e BOM ANO**
(ou também és daqueles que quer já passar para 2010? :p lol)
re.bom anooooooooooooooooooo!!!!!!
amei, impossivel nao mar.
a mesma situação, a mesma relação, nos mesmos dias.
genuino! sem palavras
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