22.7.09

Nostalgia #1

Tão longe. As costas escondendo Viseu e o retrovisor baço avisando-nos que ficou para trás. O horizonte uniforme, as gaivotas curiosas, o cheiro a mar, as salinas nos dois lados da estrada, sal sal e sal. Aveiro. A caravana esbranquiçada no fundo do parque de campismo, turistas estrangeiros: alemães e ingleses certamente, turcos ou russos ou ucranianos porque a língua é mistério. Praia. Pegadas deixadas como fósseis ao longo da costa, conchas, algas, búzios onde o mar não sopra mas antes murmúrios inquietos. Uma confissão. Uma negação. Livro para devorar placidamente, alguém que se desencontrou em babilónia, insónias, muitos desamparos, pais e filhos e o estado novo. Um pouco de tudo. Um autor. Caderno preto barato. Caneta barata. Caligrafia horrível desde criança e tentativa de manipular as palavras. A noite piegas e uma esplanada fustigada pelo vento. Música. Frio. Um grupo de rapazes desconhecidos ao longe acompanhado por uma grade de cervejas. Caravana. Cama improvisada no chão. Risos e eternidade. Praia da Barra, dois mil e sete. Talvez voltar. Tão perto.



publicado originalmente
aqui, em Julho de 2008



fs

9.7.09

Nem só de espasmos vive o homem


Passadeira dos peões é onde me perco. Preto no branco ou branco no preto? Atravessar uma rua pisando apenas os segmentos brancos, como espasmos involuntários na hora de dormir. A perna curta que não obedece, insubordinada, irreverente, prolongar inúteis sinais nervosos coluna abaixo, passando para a perna. Alguma coisa danificada pois a perna não segue instruções, fica rígida e imóvel. Como avançar na rua procurando migalhas, se nem pequenos passos, passinhos de bebé vá, consigo impulsionar? Saltitar passadeiras envolve uma leveza de movimentos, enganar a gravidade (queres levar-me para o centro da terra, não é?), uma agilidade de membros, pé direito pé esquerdo, pé direito pé esquerdo, pé direito pé esquerdo. E esses passos suaves (passinhos de bebé?) uma eternidade inconsequente, uns metros inusitados, um pequeno passo para o homem, um pequeno passo para o caos. Oxalá chegar ao outro extremo da zebra impressa e assentar a minha bandeira
- Aqui passei eu -
Esvoaçando como um pinheiro chicoteado pelo vento, repito, chicoteado pelo vento. Treinar o melhor impulso, adquirir um balanço estável qual atleta do triplo salto em busca de medalha olímpica. Começar por inclinar o corpo para trás, braços e mãos como figuras egípcias de perfil, os músculos tensos, as narinas dilatadas, os pulmões volumosos. Alguém dá o tiro de partida e logo eu correndo efusivamente como o touro em direcção à morte, a multidão barafustando, rebentando em apogeus de dentes arreganhados, silvando silvando silvando. Se apostas houver, aposto contra mim. Bem sei que prestes a chegar à passadeira a perna imediatamente imóvel, são os sinais nervosos, a perna frouxa (não culpes a perna que isso é da tua cabeça), impedem-me de ultrapassar as tormentas, assentar a minha bandeira
- Aqui passei eu, na passadeira da Boa-Esperança -
(olha que isso é tudo da tua cabeça)
(porque escreves coisas entre parênteses, se estás a falar contigo próprio?)
Mudar a táctica seria o melhor, não ganhar o assustador balanço, estacar ao lado da zebra impressa, apanhá-la desprevenida
(ridículo é o que eu acho)
Saltar sem avisar o membro inferior direito, pousar-me no primeiro segmento branco
(manias horrivelmente plagiadas é o que é)
Avançando destemido para o meio da passadeira monótona, sentindo o peso da gravidade, os pés ágeis, o ar afinal leve, esperando
(espera mas é que te perdoem)
Esperando que um carro me abalroasse e provocasse espasmos involuntários.


fs