Os dias são sempre os mesmos mas nunca se repetem. Desejá-los novamente é como esperar pelo Encoberto, esperanças desfeitas no espaçamento do tempo, um regaço vazio, é não ter nada para pegar, suster, imaginar suster, e quando assim é começamos a definhar cedo, ideias vagas, pobres a impregnarem-se nas células de memória, pensamos com demasiada reflexão, perdemos o instinto, comodamente instalados na poltrona da ociosidade, a podridão absorve-nos enquanto pensamos estar no auge e depois a queda é longa, silenciosa, não há ajudas, a senhora que se intitula de morte à nossa espera, vem amigo pagar o preço da vida, e nós, simples corpos de carbono e outros afins que havemos de fazer senão segui-la, ainda se saberá se a verdadeira dádiva é viver ou morrer, que avance a mente disposta a pensar nisto.
Foi numa noite de introspecção que alguém desejou infinitamente reviver um dia, um par de horas que de bom grado trocaria por todos estes anos de inutilidade que o haviam assombrado.
Nesse nostálgico amanhecer, o sol acordou preguiçoso, o crepúsculo a esfumar-se no horizonte, o Hospital de Santa Maria, frio e grotesco, a impor-se nos olhos, o homem das castanhas assadas a reclamar a fraqueza do negócio na entrada, a sirene de urgência de uma ambulância a irromper pela estrada, dentro levava mais um que desistira de existir, que se tentara eclipsar do universo. O rapaz de mochila preta esperou como combinado em frente da estátua do Egas Moniz, fazia tremores o suave vento matinal que atingia as pessoas. Aguardou na paciência dos minutos quando na sua vista se instalou aquela silhueta feminina.
- Margarida?
Um aceno afirmativo combinado com uma fragrância indescritível revelou-a tal como ela a via há anos, aquelas linhas esbeltas a definirem um rosto delicado, uns cabelos castanhos a caírem sobre a pele morena.
- Ainda bem que vieste, Margarida.
- Sim. Vamos?
Avançaram destemidos como animais de cativeiro a espreitarem a liberdade no virar da esquina, desceram para a estação de Metro, vazia àquela hora, abraçaram-se e beijaram-se com ternura, fisicamente eram dois porém a mente era só uma, assimilaram a coragem necessária para fazer o que iam fazer e aguardaram soturnamente pelo barulho indicativo da carruagem que rapidamente apareceu. As portas abriram-se lentamente como que a reprovarem as suas atitudes.
- Tens a certeza Fábio?
O rapaz passou a mão pelas costas dela e acomodou-a no seu regaço, enquanto a tivesse teria algo a que se agarrar. As portas fecharam-se com o som habitual, estavam selados nas suas próprias ambições. A carruagem começou a acelerar, assim como os seus corações, dois inseparáveis corações debaixo da terra, o vislumbre do túnel a espelhar-se nos olhos dele, um rumo que ele ambicionava sem fim.
- Claro, vai tudo correr bem, encosta-te bem a mim.
A ânsia de que os carris os levassem à estação que só eles conheciam e onde só eles poderiam estar e ser impediu-os de observar o destino a trocar-lhes as voltas, e nunca chegaram a sair na tal estação.
Hoje, e passados tantos e tantos anos, um homem de idade avançada, de mochila preta, aguarda todos os dias, à mesma hora, na mesma estação, a carruagem que o leve ao seu lugar enquanto negoceia com a morte o preço a pagar pelo seu atrevimento.
Foi numa noite de introspecção que alguém desejou infinitamente reviver um dia, um par de horas que de bom grado trocaria por todos estes anos de inutilidade que o haviam assombrado.
Nesse nostálgico amanhecer, o sol acordou preguiçoso, o crepúsculo a esfumar-se no horizonte, o Hospital de Santa Maria, frio e grotesco, a impor-se nos olhos, o homem das castanhas assadas a reclamar a fraqueza do negócio na entrada, a sirene de urgência de uma ambulância a irromper pela estrada, dentro levava mais um que desistira de existir, que se tentara eclipsar do universo. O rapaz de mochila preta esperou como combinado em frente da estátua do Egas Moniz, fazia tremores o suave vento matinal que atingia as pessoas. Aguardou na paciência dos minutos quando na sua vista se instalou aquela silhueta feminina.
- Margarida?
Um aceno afirmativo combinado com uma fragrância indescritível revelou-a tal como ela a via há anos, aquelas linhas esbeltas a definirem um rosto delicado, uns cabelos castanhos a caírem sobre a pele morena.
- Ainda bem que vieste, Margarida.
- Sim. Vamos?
Avançaram destemidos como animais de cativeiro a espreitarem a liberdade no virar da esquina, desceram para a estação de Metro, vazia àquela hora, abraçaram-se e beijaram-se com ternura, fisicamente eram dois porém a mente era só uma, assimilaram a coragem necessária para fazer o que iam fazer e aguardaram soturnamente pelo barulho indicativo da carruagem que rapidamente apareceu. As portas abriram-se lentamente como que a reprovarem as suas atitudes.
- Tens a certeza Fábio?
O rapaz passou a mão pelas costas dela e acomodou-a no seu regaço, enquanto a tivesse teria algo a que se agarrar. As portas fecharam-se com o som habitual, estavam selados nas suas próprias ambições. A carruagem começou a acelerar, assim como os seus corações, dois inseparáveis corações debaixo da terra, o vislumbre do túnel a espelhar-se nos olhos dele, um rumo que ele ambicionava sem fim.
- Claro, vai tudo correr bem, encosta-te bem a mim.
A ânsia de que os carris os levassem à estação que só eles conheciam e onde só eles poderiam estar e ser impediu-os de observar o destino a trocar-lhes as voltas, e nunca chegaram a sair na tal estação.
Hoje, e passados tantos e tantos anos, um homem de idade avançada, de mochila preta, aguarda todos os dias, à mesma hora, na mesma estação, a carruagem que o leve ao seu lugar enquanto negoceia com a morte o preço a pagar pelo seu atrevimento.
fotografia retirada da internet, sem identificação do autor
F.S.
1 comentário:
uma viagem ao interior de cada um, um talvez audácia, um talvez atrevimento ...
gostei muito da viagem que hj por aqui fiz.
grata
Mel
PS: adoro a música. uma paz que acolhe. tão necessária a paz
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