24.2.10

Texto indefinido #7


O meu reino é uma espécie de corpo tingido por fronteiras, qualquer coisa que se assemelha a um posto de vigia hemodinâmico com criatividade para se expandir sem, no entanto, dar o mínimo passo para lá dos seus limites. Um refúgio antropológico, dirão alguns portadores da qualidade de amigos, como a lombada de um livro de História. Todo o ar que me envolve é a vizinhança indesejada. Quero muito ser nada sem deixar de me sentir muito. Tenho olhos bandidos e vou lidando com o meu tacto à maneira de uma inexorável membrana que delimita o meu sistema isolado, assim julgo eu com margem de erro que o carrasco enfrenta ao calcular o meio do pescoço.
No meu corpo - que é um reino, retenham isso - sou soberano: a mente sonha, o cérebro descodifica e as hormonas e os nervos são os cavaleiros da vontade. Existem muitas camadas, muitos sarcófagos de vivências empoleiradas em estratos de sedimentos muitas vezes vazios da ignição dos ventos, mas plenos de vendavais de mutismos. Na noção de mim sou um túmulo vazio uma vez que jamais morrerei. Sou um aprendiz de deus intemporal e invulnerável aos tiros revolucionários, base e topo da hierarquia do poder, agressor e vítima, talvez um agregador desleixado de concomitâncias. Estas feições exteriores que denotam fraqueza são o resultado dos meus incomensuráveis poderes. Exibi-la torna-se quase uma vaidade. A fraqueza é uma necessidade, quase um amor involuntário, uma vaidade assaz piedosa.
No meu reino não se ama nem se procria, sou um monoteísta que não atura ilusões, centrado na minha doutrina de dias rasgados, sou o meu próprio corrimão e guardo uma hipótese do que serão todos os segredos do mundo. O meu semblante carregado, deixem-me reiterar, é a primeira linha de defesa aos ataques ferozes daqueles que não me compreendem. Na escrita e na fala carrego a verdade uma vez que ninguém escreveria ou falaria alguma vez por mim, daí que gosto de pensar que o meu pensamento é único e independente. Mesmo que encontre semelhante no exterior continuará imune.
Um monarca interior e provável falhado exterior é o diagnóstico do espelho. O meu conselho ideal seria deixarem de mirar o espelho: mostra-nos tudo aquilo que não conseguimos compreender. Nunca olhem para um espelho se não souberem quem são, podem ficar presos em hipóteses do que poderão ser.
Parece-me claro que sou rei das minhas verdades.
E posso, quem sabe um dia, morrer. Mas não gosto de pensar nisso. É como olhar para um espelho e ele devolver o vácuo. Não o compreendo.


O Senhor Indefinido

1 comentário:

Graça Pires disse...

Gostei dos olhos bandidos do senhor indefinido...
Um abraço.