9.12.09

Pulmões cheios de lírios

{o rascunho inicial pedia o título
Da textura dos lírios das tuas mãos fiz um pneumotórax

não lhe farei a vontade,
é o chamado poema descartável:
serve para nos irmos esquecendo
da maneira correcta de o recordar

e por isso é que é difícil recordar
a maneira correcta de esquecer
os lírios das tuas mãos}


às cinco da tarde,
na ribeira,
aguardei os teus passos,
o sacrário da tua voz.
na ribeira,
às cinco da tarde,
não cheguei a ouvir
nem o arrastar do teu perfume
nem o sapateado do teu andar.

a tua ausência foi preâmbulo,
o meu jogo de xadrez inacabado,
uma garatuja de desenho queimado.

nessa hora que tardava
a minha consciência despojada
na água fria debaixo da ponte:
um colapso de pulmões cheios de lírios
em refracções proscritas de uma visão surda.

disseram depois
que no meu corpo encontrado nas margens
a tua fotografia no peito colada,
o teu nome nas mãos desenhado,
um cheiro a lírios jubilado.
pasmados ficaram
e devolveram o meu corpo ao rio
em direcção à foz.
queriam que o mar apagasse
as marcas da ausência do teu andar
que o sal afagasse
o retorno à calidez dos dias sem memória.

mais não se poderiam ter enganado
na aspereza das probabilidades.
encontrei num lugar etéreo
tão lúgubre tão díspar tão só
um novo estado basal.
e atónito abri os olhos.

às cinco da tarde,
tu não compareceste.
e julgava eu ter-te esperado,
mas nem o meu corpo apareceu,
nessa ribeira que cheira a lírios.



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4 comentários:

Anónimo disse...

eu compareci quase às nove, mas com todo o gosto em ler-te :)*

Isabel disse...

absolutamente belo.


imenso.


estarreço.


beijo


de um piano.

Graça Pires disse...

Muito belo!
A ribeira cheia de lírios.
"é difícil recordar
a maneira correcta de esquecer
os lírios das tuas mãos}"
Um abraço.

Anónimo disse...

votos de bom natal, fábio :) um grande beijinho*