5.8.09

A melodia dos esquissos #6

Vampire Weekend - Arrows


Bate o pé, bate o pé, da serra ao litoral, do continente às ilhas, bate o pé, bate o pé, da igreja à taberna, do sushi ao cozido, bate o pé, bate o pé, da escuridão do bosque ao albino da praia, dos agriões nos rios às alforrecas do mar, bate o pé, bate o pé, do bigode da mulher às plumas do homem, das carroças dos bois aos foguetões nas ventas, bate o pé, bate o pé, da maternidade aos caixões, da água benta aos cemitérios, bate o pé, bate o pé, do panteão nacional ao húmus da aldeia, da casota do cão ao casarão do ladrão, bate o pé, bate o pé, da benesse da loucura ao interregno da lógica, da esquizofrenia animal à futilidade racional, bate o pé, bate o pé, da praça de Tiananmen à falha de Santo André, de Greenwich até Joanesburgo, bate o pé, bate o pé, dos lugares onde foste aos que sonhas visitar, da Via Láctea ao resto do Universo em expansão, pisca os olhos, pisca os olhos, dos seios às ancas, da raíz à folha, pisca os olhos, pisca os olhos, do anel na mão ao começo da manga, do maléolo das senhoras aos sorrisos fartos, pisca os olhos, pisca os olhos, da toalha do lado aos perfumes alheios, dos ganchos no cabelo à franja na testa cuidada, pisca os olhos, pisca os olhos, do ventre da senhora aos filhos que virão, das histórias que foram às que te faltam escrever, pisca os olhos, pisca os olhos, do violino ao ukulele, do piano aos tambores, pisca os olhos, pisca os olhos, do devaneio à ponderação, das tripas à maior comunhão, pisca os olhos, pisca os olhos, da penitência à hóstia, da parafernália à abstinência, pisca olhos, pisca os olhos, do nobel da química ao talhante ensanguentado, do poeta ao notário, pisca os olhos, pisca os olhos, do que és ao que não querias ser, da inicial placenta à urna final, pisca os olhos, pisca os olhos, do que tatuas ao que apagas, dos castelos na areia aos alicerces da casa, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do cheiro dos dedos à comissura dos lábios, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do véu esbranquiçado à renda dos napperons, da roupa estendida no estendal ao tanque do sabão azul, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do cântaro na fonte ao presente coaxar, dos estigmas dos velhos às manias dos novos, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do apagado coreto à aurora orvalhada, da banda filarmónica a passar à concertina do zé do povo, das crianças trepando árvores da terra do nunca aos pais descendo as veredas da terra do sempre, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do Eduardo Mãos de Tesoura ao Errol Flynn, da Cinderela dos livros à mulher da drogaria, dos casais que se amam sem o saberem aos que carregam umas costas minadas de facas, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, não a deixes fugir como os pardais, não a prendas em arraiais, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, oferece-lhe os teus óculos para ver o mundo desfocado também, um país das maravilhas de vaivém, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, da paragem do autocarro aos limoeiros do quintal, da pressão do ar à humidade do escarro, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, dos comentários matreiros à confissão em pedestal, do ideal comunista ao mundo atolado em capital, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, das moléculas helicoidais ao embalsamento dos fretes viscerais, da quimera dos versos aos repetidos ais, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do muro sempre restam os amores erodidos para os arqueólogos do futuro. Bate o pé, pisca os olhos e dá-lhe a mão, até te cansares, até te cansares de deixar setas pelos teus caminhos.




fs

1 comentário:

isabel mendes ferreira disse...

demolidora esta "melodia"....


intensa e ritmada.




______________abraço. forte.