22.9.07

Um corpo no crepúsculo


Crepúsculo.
A linha ténue do horizonte desvanece-se, tons alaranjados absorvidos ali no recanto do mundo, amanhã voltarão ou não fossem eles assíduos, pontuais, oito menos um quarto a assinalar no relógio e eles lá vão à vida deles, regressam os espectros sombrios, vejo-os na minha direcção, há vinte e cinco anos que o fazem, esperam que os tons alaranjados se dissipem e avançam eles a estrangular vontades, ar irrespirável, fossas nasais, laringe e traqueia sequíssimas, não há humidade onde não há água, no vácuo não existem os abençoados hidrogénio e oxigénio, é o vazio, o nada, rien de rien. Olho para os resquícios alaranjados:
- Vão voltar amanhã?
Nem sim nem não, remetem-se ao silêncio, temem os espectros tanto ou mais que eu. Tenho pena deles: durante o dia enchem-nos com aquela luminosidade ofuscante, chegam as oito menos um quarto e desvanecem-se na esperança de amanhã voltarem, mas não, temem a noite e de que maneira, oito menos um quarto e piram-se deixando-me aqui neste desalento.
- Vão voltar amanhã?
Não sabem, como poderão saber eles, limitam-se a vir no raiar do dia, fazem o seu trabalho e fogem, para mal de mim que nunca sei se alguma vez retornam, todos os dias uma inquietação, há vinte e cinco anos que
- Vão voltar amanhã?
E durante a noite uma consternação, um desassossego, uma aflição desesperante, será que voltam, não, sim, quem sabe, talvez, desta maneira passando-se as horas, preenchidas por míseros minutos, também eles preenchidos por míseros segundos enquanto eu, de coração apertado, desgasto as unhas interminavelmente quando, de repente, vislumbro nos confins do fio do horizonte uma pincelada de luz a rasgar o céu, levo as mãos à testa, por cima dos olhos amplificando a visão e acabo por ouvi-los, num sussurro familiar a aliviar-me a dor no peito
- Sim.



F.S.

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