Não venhas, no avançar da noite, perguntar-me quem fui, como se pelo meu passado desvendasses o meu presente e futuro, como se pelas memórias e lembranças deslindasses o que serei. Não tentes, com a tua selvagem curiosidade que raramente consegues conter - dependendo dela como da respiração - saber o que significam as antigas marcas do meu corpo e as linhas penosas que me trespassam o rosto, sinónimos profundos de um tempo que não deixou saudades em mim.
Não venhas, repito, tentar conhecer-me pelo que agora não sou, não insinues que ao desenterrar raízes profundas saberás os meus precipícios que, ironicamente, não são mais do que as meras superficialidades do poço que escavo. A minha memória é uma alcova queimada, as minhas acções são um raso quadro negro. Ainda te lembras dos sítios onde fomos ternura precoce?
O Senhor Indefinido
2 comentários:
Há recordações que não nos largam, mas sem elas… sim, o que seriamos?…
Depois, no fundo, algumas até cultivamos: aquelas que continuam a ser um prazer recordar.
Excelente texto. Mais um.
Forte abraço, Fábio.
um texto todo ele "grávido" de tempos vários. intensos e sempre muito bem descritos.
o meu abraço.
(piano)
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