24.10.08

Texto indefinido #2


Todo o fim tem um início.
Quando elaborei as constantes que regem o meu universo, os cálculos não coincidiram. Todos os fios eram fiáveis mas não se enquadravam.
- Avô, acha que morremos verdadeiramente?
Sisudo não me respondeu de início, fez ouvidos moucos à criança curiosa que o mirava.
- Não sei, nunca morri para o dizer.
Calei-me pela imponência da lição, atirava-me cada tirada que poucas eram as vezes que o percebia. Confrontei-o.
- Por que é que decidiu ser coveiro, avô?
Esboçou um sorriso e os dentes amarelos brilharam pela luz do sol torrencial que caía no cemitério à medida que abria um buraco rectangular na terra seca e se ouvia tocar o sino fúnebre da igreja.
- Porque, todos nós, quanto mais não seja, passamos a vida a enterrar a amargura dos dias.
Fiquei hirto, observando o buraco fundo. Talvez o universo não obedeça a constantes.
É que todo o início tem um fim.

O Senhor Indefinido


fs

7.10.08

Como aprender a morrer


Escrever no teu rosto gelado,
não,
pedindo minha penitência.
Cravar-te na pele,
não,
o custo da liberdade.
Fazer de conta
que a cruz amparada
por fantasmas translúcidos
perdeu-se no tempo,
no tempo da dor.
Que a fluidez das membranas
dos corações desleixados
se esbateu em jogos,
em jogos de silêncio.
Pintar nos teus sonhos,
não,
dívidas por saldar.
Invocar no teu corpo,
não,
lucros por aproveitar.
Vou fazer de conta
que os dias
se esqueceram de nós
e que a morte,
a morte,
beijou-me os lábios,
beijou-me os lábios com pena.


fs