22.10.09

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos

dos poemas passados,

de mão dada com a imperfeição,
consagrando-a.


.o poema dos outros.

Há na rua um covil
Daqueles cujo nome esquecemos
Daqueles que a vida lemos
E que fizeram das palavras um ardil.

Nas histórias deles sonhamos
O que está para lá das curvas das estradas
Das personagens por nós amadas
Onde por elas aos outros chegamos.

Que há na vida uma manha
Do tamanho do que enxergamos
Uma voz a que nos vergamos
Num sopro que a vontade banha.

escrito em Novembro de 2008


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.sonhos.

Silêncio.
No palco da almofada
discurso à multidão ajoelhada.
Súbditos fiéis.

Que nos meus sonhos
Eu governo o mundo.

escrito em Maio de 2008


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.sabes, irmã, sou triste.


Desenho pequenas palavras na noite
com a caneta que a minha irmã me ofereceu.
Não sabes como te enganaste,
julgaste-me luz e todo eu sou breu.

Repara no poço que, em mim,
deixa pendente o teu orgulho,
julgaste-me guerreiro, sou benjamim,
e de desamparos sou um entulho.

Não me vaticines o futuro
que sou um homem de passados,
um automóvel parado por um furo
perpetuando sonhos não cimentados.

(Ó luzes do quarto!
Quando se apagarem,
Levem-me convosco)

Sabes, irmã, sou triste.
E isso entristece-me.

escrito em Março de 2008



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Eu era feliz e ninguém estava morto.

10.10.09

quanto baste (5 de 5)

5.os abraços condicionados dos sonhos lúcidos.


Desceu durante cem anos o escadote para se manter no chão
e no horizonte viu fugir os sonhos mais altos, mais etéreos.
De tanta terra descer escavou um buraco mais profundo
que a sua altura para ele julgada desmedida.
Quando as escadas do proveito ambicionou escalar
nem os pés se levantaram nem o tamanho lhe valeu.
A vida não foi feita para se descer - disse um dia -
deixei-a escapar para o cimo dos armários onde já não tacteio.
E não morreu sem fincar o arrependimento bradado ao éter
de que os escadotes apenas servem para subir.

Donde hoje se conclui em abono da paciência
que quanto mais nos excedemos em virtudes
mais pequena a cova que o coveiro tem para abrir.
Felizardo será aquele que comunga do éter
a sapiência da mais nobre burrice montada
para uma diluição de cadáveres informes.
Não basta a solidão, não basta o silêncio,
nem todos os bens, nem um Deus misantropo,
falta tudo o resto, os resquícios de uma alvorada
em que dependurados clamámos por um amor infinitesimal.

E um braço esticado para o céu em misericórdia
traz nos pêlos eriçados alguns sentidos amadurecidos.
Caso haja alma penada existem sempre novas vindimas,
novas penitências, novas nomenclaturas para o pecado,
e em lugarejos apetrechados aparecerão peregrinações.
Incólumes permaneceremos à ambiguidade da fé,
escavando rectângulos de substâncias pérfidas,
aguardando tão-somente um vislumbre onírico
que não mais será que um abraço condicionado
de alguém com a ousadia de nos recordar os sonhos lúcidos.