31.8.09

quanto baste (1 de 5)


1.os lugares oblíquos.



Entre os centímetros do mapa
quilómetros imensos quilómetros de estrada:
paisagens de linho, paisagens de arbustos,
a combustão dos automóveis perpétuos,
o estiramento e o suor dos tendões pedestres.
Neste atlas há um somatório de esquinas e de dedos
que traz no cabeçalho aquele esgar de jumento
ou um amplexo de humildade em cúpulas.
Entre os bicos dos corvos e o ronrom dos gatos
vem, amigo, sorver a ubiquidade dos lugares.

Nos andaimes de Viseu estás sentado,
na varanda de uma qualquer toca rural,
seguras nas mãos o mapa dos anseios
e nas palmas pintadas a científica localização
dos amigos que no mapa legendados vêm:
percorres num assombro Coimbra e Porto, Penafiel irás correr,
do campo de Valongo esticado até Amarante,
da madeira de São João à madeira que à ilha deu o nome,
passeias na Maia, segues para a Póvoa e por fim Vila Real,
e fechas as palmas das mãos como o vidente tapa a bola de cristal.

Parado numa estirpe de promontório
aparecem amplos rastos, finas pegadas erodidas,
bandeiras pregadas, escotilhas abertas,
os sortilégios de bafio intercalados com lírios
e os quilómetros imensos quilómetros de comoção.
Virás pagar promessas enlaçadas e outras tantas malfadadas,
construir novos rastos, imprimir novas pegadas,
e com sorte na cabeleira dos cometas irás mudar as ampulhetas
até conseguires sobrepor novos estratos ao passado,
guardando em segredo a idealização de um espaço oblíquo.

28.8.09

quanto baste (0 de 5)

quanto baste


para os livros que ainda não pude ler,
fingirei viver o bastante.



1.os lugares oblíquos.

2.os hieróglifos do embaraço.

3.os aglomerados de corações equiláteros.

4.os eufóricos postais eufóricos.

5.os abraços condicionados dos sonhos lúcidos.


Viseu, noites de Agosto de 2009

15.8.09

duplo II


nas casas
nos edifícios
onde a luz é fria
cheios de escadas
há lugares escondidos
de vozes emparelhadas
prontos a abrir
de cruzes quebradas
prontos a nos desmentir
não há Deus que nos valha


o que há mais em nós
são portas por abrir



fs

5.8.09

A melodia dos esquissos #6

Vampire Weekend - Arrows


Bate o pé, bate o pé, da serra ao litoral, do continente às ilhas, bate o pé, bate o pé, da igreja à taberna, do sushi ao cozido, bate o pé, bate o pé, da escuridão do bosque ao albino da praia, dos agriões nos rios às alforrecas do mar, bate o pé, bate o pé, do bigode da mulher às plumas do homem, das carroças dos bois aos foguetões nas ventas, bate o pé, bate o pé, da maternidade aos caixões, da água benta aos cemitérios, bate o pé, bate o pé, do panteão nacional ao húmus da aldeia, da casota do cão ao casarão do ladrão, bate o pé, bate o pé, da benesse da loucura ao interregno da lógica, da esquizofrenia animal à futilidade racional, bate o pé, bate o pé, da praça de Tiananmen à falha de Santo André, de Greenwich até Joanesburgo, bate o pé, bate o pé, dos lugares onde foste aos que sonhas visitar, da Via Láctea ao resto do Universo em expansão, pisca os olhos, pisca os olhos, dos seios às ancas, da raíz à folha, pisca os olhos, pisca os olhos, do anel na mão ao começo da manga, do maléolo das senhoras aos sorrisos fartos, pisca os olhos, pisca os olhos, da toalha do lado aos perfumes alheios, dos ganchos no cabelo à franja na testa cuidada, pisca os olhos, pisca os olhos, do ventre da senhora aos filhos que virão, das histórias que foram às que te faltam escrever, pisca os olhos, pisca os olhos, do violino ao ukulele, do piano aos tambores, pisca os olhos, pisca os olhos, do devaneio à ponderação, das tripas à maior comunhão, pisca os olhos, pisca os olhos, da penitência à hóstia, da parafernália à abstinência, pisca olhos, pisca os olhos, do nobel da química ao talhante ensanguentado, do poeta ao notário, pisca os olhos, pisca os olhos, do que és ao que não querias ser, da inicial placenta à urna final, pisca os olhos, pisca os olhos, do que tatuas ao que apagas, dos castelos na areia aos alicerces da casa, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do cheiro dos dedos à comissura dos lábios, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do véu esbranquiçado à renda dos napperons, da roupa estendida no estendal ao tanque do sabão azul, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do cântaro na fonte ao presente coaxar, dos estigmas dos velhos às manias dos novos, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do apagado coreto à aurora orvalhada, da banda filarmónica a passar à concertina do zé do povo, das crianças trepando árvores da terra do nunca aos pais descendo as veredas da terra do sempre, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do Eduardo Mãos de Tesoura ao Errol Flynn, da Cinderela dos livros à mulher da drogaria, dos casais que se amam sem o saberem aos que carregam umas costas minadas de facas, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, não a deixes fugir como os pardais, não a prendas em arraiais, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, oferece-lhe os teus óculos para ver o mundo desfocado também, um país das maravilhas de vaivém, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, da paragem do autocarro aos limoeiros do quintal, da pressão do ar à humidade do escarro, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, dos comentários matreiros à confissão em pedestal, do ideal comunista ao mundo atolado em capital, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, das moléculas helicoidais ao embalsamento dos fretes viscerais, da quimera dos versos aos repetidos ais, dá-lhe a mão, dá-lhe a mão, do muro sempre restam os amores erodidos para os arqueólogos do futuro. Bate o pé, pisca os olhos e dá-lhe a mão, até te cansares, até te cansares de deixar setas pelos teus caminhos.




fs