26.3.08

Alfabeto


Acorda a alvorada a angústia alucinante e ambígua
bombardeando os bêbados que bóiam em bravos becos
como casais confusos confinados ao casulo
deste dormitório divino denominado de dor.
E esta explosão eufórica e eclesiástica
funde em força o fracasso fácil e finito da falésia
guardada pelas garras dos guindastes gentis…
Mas porquê continuar?
Viver é muito mais que letras dispersas.
Muito mais que vogais e consoantes.
Muito mais que aglutinar palavras.
Hoje e sempre.
Como sempre.


Poema contraditório do Senhor Palavras,

F.S.

15.3.08

A melodia dos esquissos #3


Pedro Abrunhosa - Eu não sei quem te perdeu
(Ao vivo na Casa da Música)


Partindo ficaste
a dúvida permanece:
quem é que te perdeu?

F.S.

4.3.08

Exortação às palavras


De rajada deixo-as vir, aliás, imploro por elas, minuto a minuto
- Venham palavras, invadam-me, possuam-me!
O desejo de as ter na palma da mão tatuadas em tinta eterna, olhar para elas, minhas, só minhas. Escrever, escrever, escrever até a mão doer, o cérebro doer, o coração doer, fechar e abrir os ossos dos dedos espalhando-as como pó mágico, comê-las, inalá-las, tocá-las, minuto a minuto
- Venham palavras, venham!
Os meus cadernos pretos debaixo da cama cheios delas, a ansiar por mais, comilões de sílabas, desmembrá-las, cortá-las, moldá-las a meu total gosto, acrescentar neologismos, sons, caracteres, quero ser o compositor de palavras, o escultor de metáforas, o pescador de antíteses, o pintor de ironias. Ser tudo e de todas as maneiras, minuto a minuto
- Venham palavras, por favor!
Rasgando, trespassando, cavando, dilacerando a resma de papel em cima da mesa, não deixar um espaço imaculado, sinónimos, antónimos, tudo: verbos, advérbios, substantivos. Imprimi-los no marfim da folha como marca de sangue e, enquanto isso, minuto a minuto
- Venham a mim palavras!
Como um louco no escuro a vociferar impropérios, o meu punho inflamado e inchado de tanto rodar, os dedos tortos, os óculos baços, as canetas gastas amontoadas, o quarto sem luz e no entanto escrevo e escrevo, na falta de papel escrevo no corpo. Braços, pernas, tronco, cabeça, meu corpo pleno de azul e eu sabendo, nos momentos em que começo a fraquejar, que a luta apenas está a principiar, minuto a minuto.

O Senhor Palavras,

F.S.